São Tomás de Aquino (1225–1274): o Doutor Angélico

São Tomás de Aquino é uma das figuras mais importantes da história da filosofia, da teologia e da Igreja Católica. Chamado de “Doutor Angélico” e “Doutor Comum”, a sua obra representa o ponto mais alto da escolástica medieval e continua a ser referência obrigatória no pensamento cristão e na filosofia ocidental.

Vida

Nasceu em 1225 no castelo de Roccasecca, no Reino de Nápoles (Itália), filho de uma família nobre. Aos 5 anos foi entregue aos monges beneditinos de Monte Cassino e, mais tarde, estudou artes liberais na Universidade de Nápoles. Em 1244, contra a vontade da família, ingressou na Ordem dos Dominicanos (Ordem dos Pregadores), atraído pela vida intelectual e apostólica.

A família chegou ao ponto de o sequestrar e mantê-lo preso durante quase dois anos para o dissuadir da vida religiosa. Tomás resistiu e, libertado, prosseguiu os estudos em Paris e em Colónia, onde foi discípulo de Santo Alberto Magno, o grande mestre que introduziu o aristotelismo na Europa cristã.

Foi professor em Paris, Orvieto, Roma e Nápoles. Morreu a 7 de março de 1274, com apenas 49 anos, a caminho do Concílio de Lyon, no mosteiro cisterciense de Fossanova. Foi canonizado em 1323 e declarado Doutor da Igreja em 1567. Em 1880, Leão XIII proclamou-o patrono das escolas católicas.

Obra principal

A obra de Tomás é vastíssima (milhares de páginas escritas à mão). Destacam-se:

  • Summa contra Gentiles (1259–1265): defesa racional da fé cristã dirigida sobretudo a judeus e muçulmanos.
  • Summa Theologiae (1265–1273, inacabada): a sua obra-prima, um tratado sistemático de teologia em três partes (De Deo uno, De Deo trino e De Christo salvatore, De sacramentis e De novissimis). É escrita em forma de “questões” e “artigos”, com objeções, resposta e réplicas — método que se tornou clássico.
  • Comentários a Aristóteles (sobre a Física, a Metafísica, a Ética a Nicómaco, etc.).
  • Questões disputadas e Quodlibetais.
  • Hinos litúrgicos famosos: Pange lingua, Adoro te devote, Tantum ergo (usados até hoje na adoração eucarística).

Ideias centrais

  1. Harmonia entre fé e razão “A graça não destrói a natureza, mas aperfeiçoa-a.” Tomás rejeita tanto o fideísmo (fé sem razão) como o racionalismo puro. A razão pode conhecer verdades naturais sobre Deus (as famosas “cinco vias” para provar a existência de Deus na Summa Theologiae); a fé revela verdades que ultrapassam a razão (Trindade, Encarnação), mas nunca as contradiz.
  2. As cinco vias (Quinque viae)
    • Movimento (primeiro motor imóvel)
    • Causalidade eficiente (causa primeira)
    • Contingência (ser necessário)
    • Graus de perfeição (ser perfeitíssimo)
    • Ordem do universo (inteligência ordenadora) Todas convergem para um Deus único, simples, eterno, omnipotente e bom.
  3. Síntese de Aristóteles com o cristianismo Tomás adopta a filosofia de Aristóteles (conhecida na Idade Média através de traduções árabes e judaicas) e “batiza-a”. Conceitos como acto e potência, substância e acidente, essência e existência, matéria e forma são usados para explicar doutrinas cristãs (ex.: transubstanciação eucarística).
  4. Lei natural e ética A lei eterna (plano divino) reflecte-se na lei natural gravada na razão humana. O bem deve ser feito e o mal evitado; a ordem moral deriva da natureza racional do homem.
  5. Teologia do ser (esse) Em Deus, essência e existência são o mesmo (Deus é ipsum esse subsistens — o próprio ser subsistente). Nas criaturas, a existência é recebida e limitada pela essência.

Legado

  • A Igreja Católica considera o tomismo a filosofia e teologia perenes (encíclica Aeterni Patris, 1879).
  • Influenciou profundamente o direito (conceito de lei justa), a política (doutrina do bem comum), a economia (teoria do preço justo) e até a ciência moderna (método de conciliação entre observação e princípios primeiros).
  • Pensadores contemporâneos como Étienne Gilson, Jacques Maritain, Alasdair MacIntyre ou Edward Feser retomam o pensamento tomista.
  • É o santo mais citado no Catecismo da Igreja Católica de 1992.

São Tomás de Aquino conseguiu o que parecia impossível: pensar a fé cristã com a máxima profundidade filosófica sem perder a simplicidade da adoração. Como ele próprio escreveu no final da vida, após uma experiência mística: “Tudo o que escrevi parece-me palha em comparação com o que vi.” Deixou de escrever e morreu três meses depois.

Um gigante humilde que continua a iluminar a inteligência e o coração da Igreja e do mundo.

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