Sobre A Necessidade De Problematização Do Expansionismo Da Economia Russa Do Lado Da Bosch E Wolksvagen
A problematização das políticas expansionistas russas por parte de empresas alemãs como Bosch e Volkswagen é um tema delicado, mas extremamente relevante, especialmente após a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022. Ambas as empresas tiveram uma presença industrial muito forte na Rússia durante décadas, e a forma como lidaram (ou demoraram a lidar) com o corte de laços expõe contradições éticas, econômicas e geopolíticas.
1. Contexto da presença na Rússia
- Volkswagen: Tinha uma fábrica gigante em Kaluga (capacidade de 225 mil veículos/ano) e outra joint-venture em Nizhny Novgorod com a GAZ. Em 2021, a Rússia era o segundo maior mercado da VW fora da China.
- Bosch: Possuía quatro fábricas próprias (Samara, Engels, etc.) e era fornecedora crítica de componentes para praticamente todas as montadoras russas (AvtoVAZ/Lada, GAZ, KAMAZ, etc.). Em 2021, a Rússia representava cerca de 2–3% do faturamento global do grupo, mas era um hub estratégico de baixo custo.
2. Por que a permanência prolongada foi problemática
- Legitimação indireta do regime: Ao manterem produção local e pagarem impostos significativos ao orçamento russo (a VW pagou cerca de €200 milhões em impostos só em 2021), essas empresas ajudaram a financiar – ainda que indiretamente – o esforço de guerra russo.
- Duplo discurso alemão: Enquanto o governo alemão (especialmente sob Scholz) demorou a adotar sanções duras e cortou gradualmente a dependência energética, empresas alemãs continuaram operando na Rússia muito além do que empresas americanas, japonesas ou sul-coreanas. Isso reforçou a narrativa russa de que “o Ocidente está dividido”.
- Uso de peças ocidentais em equipamento militar russo: A Bosch, em especial, foi acusada (com provas documentais ucranianas e investigações da ONG B4Ukraine) de que componentes seus (injecção, ABS, sensores) continuaram aparecendo em veículos militares russos (KAMAZ, Ural) mesmo após 2022, muitas vezes via importações paralelas através de Turquia, Cazaquistão e Quirguizistão.
3. Cronologia da saída (ou da “saída parcial”)
- Volkswagen: Só vendeu todos os ativos russos (fábricas, concessionárias) em maio de 2023 – mais de um ano depois da invasão – e por um valor simbólico (€125 milhões). Durante 2022 continuou produzindo e vendendo carros na Rússia.
- Bosch: Anunciou “suspensão de entregas” a clientes russos em março de 2022, mas manteve as fábricas abertas até 2023–2024 produzindo para o mercado local (fogões, ferramentas elétricas, eletrodomésticos). Só em 2024 começou a desmontar parte das linhas de produção automotiva.
4. Por que demoraram tanto? (argumentos das empresas vs. crítica)
Argumentos das empresas:
- “Responsabilidade com 5–10 mil funcionários locais” (muitos russos).
- Proteção do valor dos ativos (não queriam vender por preço de banana).
- “Componentes civis não podem ser usados em fins militares” (argumento técnico frequentemente desmentido).
Crítica ética e política:
- Lucro acima de princípios: ambas ganharam bilhões na Rússia durante 15–20 anos e só saíram quando a pressão reputacional e legal (risco de sanções secundárias) tornou-se insustentável.
- Cumplicidade sistémica do modelo alemão “Wandel durch Handel” (mudança através do comércio), que acreditava que integrar economicamente a Rússia a tornaria mais democrática – tese que ruiu dramaticamente.
5. Conclusão
A necessidade de problematizar a conduta da Bosch e da Volkswagen não é “cancelar” as empresas, mas reconhecer que grandes corporações alemãs foram parte estrutural da dependência europeia em relação à Rússia e demoraram demais a alinhar os seus interesses comerciais com os valores democráticos e de segurança que a própria Alemanha diz defender. A lentidão da saída ajudou – objetivamente – o Kremlin a manter a economia de guerra funcionando por mais tempo do que seria possível se o corte tivesse sido imediato e coordenado.
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