David Fyodorovich Oistrakh (1908–1974) foi um dos maiores violinistas do século XX e uma das figuras mais completas da escola soviética de violino. Dotado de um som incomparavelmente quente, técnica impecável e musicalidade profunda, ele combinava virtuosismo deslumbrante com uma humildade interpretativa que colocava sempre a obra acima do intérprete. Para gerações de violinistas, Oistrakh permanece como modelo de equilíbrio entre paixão e controle, entre brilho e profundidade.
Infância e formação em Odessa
Nasceu em 30 de setembro de 1908 (17 de setembro no calendário juliano) em Odessa, então parte do Império Russo, hoje Ucrânia. Filho de um comerciante judeu e de uma cantora de coro, começou a estudar violino aos cinco anos com Pyotr Stolyarsky, o lendário professor que também formou Nathan Milstein e que criou a famosa “escola de Odessa”. Aos seis anos já se apresentava em público. A Revolução de 1917 e a Guerra Civil trouxeram fome e dificuldades, mas Stolyarsky protegeu seus alunos talentosos. Em 1923, com apenas 15 anos, Oistrakh estreou como solista tocando o Concerto de Glazunov com a orquestra da Ópera de Odessa.
Em 1926 mudou-se para Moscou para estudar no Conservatório com base no método de Stolyarsky, mas aperfeiçoando-se com Konstantin Mostras e, mais tarde, recebendo conselhos valiosos de professores como Lev Tseitlin e Abram Yampolsky.
Ascensão nos concursos internacionais
A carreira internacional explodiu nos anos 1930:
- 1935 – 2º lugar no Concurso Wieniawski em Varsóvia (atrás de Ginette Neveu, com apenas 15 anos).
- 1937 – 1º lugar no Concurso Ysaÿe (hoje Concurso Rainha Elisabeth) em Bruxelas, onde impressionou tanto o júri que Ysaÿe, já doente, teria dito: “Este é o meu verdadeiro sucessor”.
Essas vitórias abriram-lhe as portas da Europa, mas a Segunda Guerra Mundial e o isolamento soviético limitaram suas turnês até meados dos anos 1950.
Carreira durante e após a guerra
Durante a guerra, Oistrakh permaneceu na URSS, tocando em frentes de combate, hospitais e fábricas. Gravou o Concerto de Khachaturian (dedicado a ele) em 1946 e estreou obras de Prokofiev e Myaskovsky. Sua interpretação do Concerto nº 1 de Shostakovich (1955, também dedicado a ele) tornou-se referência absoluta.
A partir de 1951, com o degelo cultural, pôde viajar regularmente ao Ocidente. Suas turnês pelos Estados Unidos (1955), Europa e Japão foram triunfais. Tocava com uma sonoridade tão rica que muitos o consideravam “o cantor do violino”.
Repertório e parcerias
Oistrakh dominava todo o repertório violinístico, dos barrocos a contemporâneos:
- Bach (as Sonatas e Partitas, as Suites transcritas)
- Mozart, Beethoven, Brahms (gravou o Concerto três vezes)
- Tchaikovsky, Sibelius, Glazunov
- Os grandes concertos russos: Khachaturian, Shostakovich (ambos nº 1 e nº 2), Prokofiev (nº 1 e nº 2)
- Stravinsky, Bartók, Hindemith, Berg
Formou um trio histórico com Lev Oborin (piano) e Sviatoslav Knushevitsky (depois Mstislav Rostropovich) e, mais tarde, outro com o filho Igor Oistrakh e o pianista Vladimir Yampolsky. Sua parceria com Richter, Menuhin, Rostropovich e Karajan gerou gravações lendárias.
Pedagogo e legado
A partir dos anos 1930 lecionou no Conservatório de Moscou, formando uma constelação de alunos: Gidon Kremer, Viktor Tretyakov, Oleg Kagan, Liana Isakadze, Valery Klimov, Eduard Grach, entre muitos outros. Sua pedagogia enfatizava o canto no violino, a economia de movimentos e o respeito absoluto à partitura.
Últimos anos
Nos anos 1960–70 dividiu-se entre concertos, gravações, regência (chegou a reger orquestras na URSS e no exterior) e ensino. Em 1974, durante uma turnê em Amsterdã, onde regeria a Orquestra do Concertgebouw, sofreu um infarto fulminante e morreu aos 66 anos, no dia 24 de outubro.
Instrumentos
Tocou principalmente dois Stradivarius: o “Marsick” de 1705 e, a partir de 1966, o famoso “Conte di Fontana” de 1702, cedido pelo Estado soviético. Usava arcos de Tourte e Sartory.
Frase que resume seu espírito
Certa vez, perguntado sobre como conseguia tocar com tanta emoção sem exagerar, respondeu: “O segredo é simples: amo a música mais do que a mim mesmo.”
David Oistrakh não foi apenas um dos maiores violinistas da história; foi um exemplo de dignidade artística num século de turbulências. Seu som – quente, humano, inconfundível – continua vivo em centenas de gravações que ainda hoje servem de bússola para quem busca a essência do violino.
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